segunda-feira, 29 de março de 2010



Confesso que não me animou iniciar o A10 tratando de um tema tão recorrente e chato. O F-X2 além de se estender por longos anos, o que mostra um amadorismo inacreditável da esfera política nacional, passou a ser um assunto ainda polemico, cheio de episódios tendenciosos e de frases e momentos infelizes.

O processo por si só já seria um tema batido por se arrastar desde a década de 1990. Porém, desde 7 de setembro do ano passado o F-X2 se tornou quase uma piada de mau gosto. Como o assunto é de conhecimento geral, não vou traçar um histórico evitando assim estender ainda mais o texto. O fato é que nos últimos meses o Governo Federal passou a dar claros sinais que é difícil acreditar na política brasileira.
Não fosse o bastante o presidente Lula declarar publicamente, e ao lado do presidente francês Nicolás Sarkozy, que o Rafale era o vencedor do programa F-X2, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim assumiu o posto de porta voz do F-X2 e resolveu dar uma contribuição aos momentos mais facciosos do processo.

No último dia 5, o ministro Jobim afirmou que proposta norte-americana continha uma espécie de seguro, o que segundo ele é uma prova clara de que a própria Boeing não tem segurança de que o Congresso americano aceite transferir a tecnologia prometida.

Vale ressaltar que tal cláusula não foi um ato de boa fé ou de desespero da Boeing, pois todos os três concorrentes foram obrigados a assumir a responsabilidade para o caso da não transferência da tecnologia prometida.

A insegurança do processo não está numa cláusula contratual, que de maneira estranha só foi apresentada como sendo da proposta norte-americana, mas sim na maneira que o Governo brasileiro esta tratando o assunto.

No último dia 21, novamente o ministro Jobim voltou a dar claros sinais que colocam em duvida lisura do processo. Após receber o relatório da FAB, o ministro desqualificou as possibilidades de transferência de tecnologia por parte da Boeing e Saab. Entretanto, não foi apresentada nenhuma prova concreta para sustentar tal declaração. De maneira direta o ministro simplesmente desqualificou as propostas.

Em seguida afirmou que a escolha do Rafale reduz a dependência do Brasil diante dos Estados Unidos no setor de defesa. Além disso, já vem afirmando com frequência que a Dassault oferece uma transferência total e irrestrita de tecnologia.

Vale colocar então em debate duas questões fundamentais:

Primeiro, o Rafale utiliza uma série de componentes com tecnologia norte-americana e o principal, produzidos por industrias norte-americanas.
Segundo, o que o contrato insere como tecnologia a ser transferida de forma total e irrestrita por parte da Dassault e do governo francês? Em momento algum se falou na transferência completa do processo de desenvolvimento ou produção do avião, especialmente porque a Dassault, como qualquer fabricante no mundo, não é detentora de todas as patentes envolvidas em tais processos.

Até o momento a Dassault propõem transferir de forma gradual a tecnologia empregada nas asas do Rafale. Nada mais, nada menos.
Temos um emprego muito vago do termo “transferência de tecnologia” quando falamos do processo F-X2. É fato que nenhum fabricante está disposto a transferir 100% da tecnologia que detém para a produção de um avião. Qual seria o lucro de um contrato desses?

A transferência será apenas de algumas partes que o fabricante detém o conhecimento e as devidas patentes.  O que não fica claro é qual a vantagem da proposta francesa em relação aos concorrentes. O Governo se limita a dizer que o Brasil ganhará independência tecnológica, o que também não tem sentido, afinal, o projeto é francês e não brasileiro. Quer queira, quer não queira, sempre estaremos dependendo do fabricante do avião, seja ele qual for.

Quando o Governo afirma que a escolha é uma decisão política, também não expõem de maneira clara quem será o beneficiário dessa decisão. Essa “decisão política” tem como base quais argumentos? O Governo não deixou claro se é numa proposta “política” alinhada com as necessidades do Estado brasileiro; se leva em consideração a opinião e necessidades das industrias nacionais que estarão envolvidas no processo de absorção de tecnologia; se ao menos considera essa política dentro da realidade orçamentária e logística da FAB; ou se é apenas um acordo para agradar o Palais de l'Élysée.

É óbvio que cada país fará seu lobby para ganhar este contrato, pois falamos não apenas da compra de 36 aviões, mas de uma parceria estratégica para ambos os lados. Mesmo os EUA tem interesse em contar com uma parceria militar, especialmente porque hoje o Brasil é uma das quatro novas potências econômicas do mundo. Neste contexto a visita do presidente Sarkozy, do rei da Suécia Carl Gustaf e da rainha Silvia, e da secretária de Estado norte-americana, Hilary Clinton, é apenas a manobra final para tentar convencer as autoridades brasileiras que suas respectivas propostas são as melhores para o Brasil.

Não pretendo discutir aqui a capacidade de combate ou a tecnologia empregada no Rafale, que é sem sombra de dúvida um dos aviões mais poderosos do mundo. Proponho é um debate sobre a forma que o F-X2 está sendo conduzido e a parcialidade por parte do Ministro da Defesa, Nelson Jobim e do Presidente Lula.

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